terça-feira, 14 de abril de 2009

Pequena biografia de um gigante

Andres Segovia

É bom voltarmos no tempo e descobrirmos as raízes do que gostamos. Tratando-se de música erudita, o estudante sempre chega no dia de se questionar porque o violão, um instrumento de música popular por essência, está embutido tão firmemente na música erudita. A resposta pode levar você a 1913, na cidade espanhola de Madrid. Nesse ano um violonista subia ao palco e desafiava o público na sua estréia profissional, usando um instrumento de cordas para transcrever obras de Bach. Era Andres Segovia levando o violão à música clássica.

Antes, vamos falar um pouco do caminho dele até Madrid. O espanhol nascido em Jaén estudava piano e violoncelo desde a infância, mas logo se interessaria pelo violão, apesar do desprezo com o qual o instrumento era visto na época. As dificuldades para encontrar professores obrigaram-no a desenvolver técnica própria, de maneira autodidata e intuitiva. Isso o levou a diversos experimentos e, em devido momento, a trazer todo o mundo erudito, que já estudava, para as cordas.

Voltando ao palco e a repercussão: os críticos ridicularizaram Andres Segovia. Diziam que jamais o violão poderia ser considerado um instrumento de música clássica. Segovia provou o contrário, surpreendendo não só aquela platéia de Madrid, mas outras que viriam em seguida.

O violão da época não tinha ressonância suficiente para preencher a acústica de uma sala de concertos, mas Segovia aperfeiçoou sua técnica e convocou luthieres do mundo inteiro para experimentar novos materiais e designs, a fim de aumentar a amplificação natural do violão. Com o advento das cordas de nylon e uso de madeiras mais trabalhadas, finalmente o violão poderia produzir tons mais consistentes e projetar o som muito mais longe.

Com o devido aparato e convencido de sua empreitada com o instrumento, Segovia viajou o mundo arrebatando adeptos e encantando compositores como Heitor Villa-Lobos, Federico Moreno Tórroba, Manuel Ponce, Alexander Tansman e Mario Castelnuovo-Tedesco. Detalhe: muitos desses compositores só decidiram compor para o violão depois de conhecer Segovia e serem estimulados por seu virtuosismo.

Durante sua carreira, Segovia ampliou o repertório e as possibilidades expressivas do violão, mediante a transcrição para este instrumento de mais de 150 peças de compositores barrocos – em especial Bach, Couperin e Lameau – escritas originalmente para alaúde, guitarra espanhola e cravo. O trabalho do espanhol resultou em um grande conjunto de obras compostas por compositores com forte influência romântica e neoclássica, em que a obra do brasileiro Villa-Lobos sobressai como a mais arrojada em termos de linguagem instrumental e originalidade de concepção. É interessante notarmos esta parceria, pois da colaboração entre Segovia e Villa-Lobos resultou a série de "Doze Estudos" (1929). Obra de importância fundamental no repertório atual do instrumento, é original nos seus achados técnicos, melódicos e harmônicos. Dedicados a Segovia, os estudos abriram um novo caminho na escrita idiomática para o instrumento.

O violonista não só foi professor, mas influência direta para milhares de artistas no mundo inteiro. Aos 92 anos de idade e ainda cheio de energia, Segovia realizava "masterclasses" (aulas especiais) nas mundialmente famosas Julliard School e Manhattan School of Music, em Nova Iorque (palco de seu primeiro concerto, em 1928).

Segovia morreria em 1987, em Madrid, a mesma cidade onde estreou profissionalmente diante de uma platéia descrente com sua subversão. Mal sabiam aqueles presentes que naquela noite, de 1913, presenciaram um dos acontecimentos musicais mais importantes da primeira metade do século XX. Se o violão é agora um instrumento respeitado nas salas de concerto e faz parte do currículo das maiores escolas de música do mundo, é graças ao trabalho e esforço de Andres Segovia de, naquela noite, subir no palco e ousar.

Em sua homenagem foi fundado um centro cultural na sua cidade natal Jaén, onde diversos estudantes seguem dissecando os ensinamentos deixados pelo mestre. O corpo de Segovia repousa em um mausoléu dentro das instalações do centro cultural.

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