sábado, 11 de abril de 2009

Breve História de Jacob

O aprendizado
JACOB PICK BITTENCOURT, nasceu em 14/02/1918, no RJ. Filho único, do capixaba Francisco Gomes Bittencourt e da polonesa Raquel Pick, morava na casa de n° 97, da Rua Joaquim Silva, na Lapa, onde, sem ter muitos amigos e com restrições para ir brincar na rua, costumava ouvir um vizinho francês cego tocar um violino.
E esse foi o seu primeiro instrumento. Ganhou-o da mãe aos 12 anos, mas, por não se adaptar ao arco do instrumento, passou a usar grampos de cabelo para tocar as cordas. Depois de várias cordas arrebentadas, uma amiga da família disse; "..o que esse menino quer é tocar bandolim..". Dias depois, Jacob ganhou um bandolim, comprado na Guitarra de Prata. Era um modelo "cuia", estilo napolitano, e que segundo o próprio Jacob: " ...aquilo me arrebentou os dedos todos, mas eu comecei...".
Não teve professor, sempre foi autodidata. Tentava repetir no bandolim trechos de melodias cantaroladas por sua mãe ou por pessoas que passavam na rua. Aos 13 anos, da janela de sua casa, escutou o primeiro choro, É DO QUE HÁ, composto e gravado por Luiz Americano. Era tocado no prédio em frente, onde morava uma diretora da gravadora RCA. "Nunca mais esqueci a impressão que me causou", afirmaria Jacob, anos mais tarde.
Raramente saia à rua. Seu negócio era ir a escola e tocar o bandolim. Freqüentava, após a volta das aulas, a loja de instrumentos musicais Casa Silva, na rua do Senado, n° 17, onde ficava palhetando os bandolins.
Um dia, um senhor, que tinha ido levar o violão para consertar, ouviu Jacob tocar e se interessou. Deu-lhe um cartão para que se apresentasse na Radio Phillips. Quando leu o cartão, Jacob ficou surpreso. O convite fora feito pelo famoso clarinetista Luiz Americano, compositor e intérprete do primeiro choro que tinha ouvido. Jacob chegou a ir com um amigo violonista a porta da emissora mas, talvez por não se considerar ainda preparado, desistiu e rasgou o cartão.
Em 20.12.33, se apresentou pela primeira vez, ainda como amador, na Rádio Guanabara, com um grupo formado por amigos, o Conjunto SERENO. Apresentou o choro "Aguenta Calunga", de autoria de Atilio Grany, flautista paulista, gravado pelo autor naquele mesmo ano. Jacob não gostou do seu desempenho e resolveu praticar mais. Nessa época, ainda tocava de ouvido.
Certa vez, na mesma Casa Silva, um conhecido intérprete de guitarra portuguesa, Antonio Rodrigues ouviu Jacob tocando violão. Provavelmente, os baixos acentuados da levada "chorona" do jovem violonista impressionaram o fadista, que o convidou para acompanhá-lo ao violão em suas apresentações.
Em 05.05.34, Jacob se apresentou no Programa Horas Luzo-Brasileiras, na Rádio Educadora e no mesmo dia à noite, no Clube Ginástico Português, ao lado do guitarrista Antonio Rodrigues e dos cantores de fado Ramiro D' Oliveira e Esmeralda Ferreira. Jacob ficou surpreso com o interesse dos fadistas por seu violão. Além disso comparecia a saborosas bacalhoadas e conheceu famosos artistas portugueses como a cantora Severa e o guitarrista Armandinho. Boa comida, reconhecimento, experiência, mas nada de cachê. A fase fadista durou pouco. O bandolim chamava por Jacob.
Volta
A carreira
Ao tomar a decisão que o bandolim "era o seu negócio" e nele se concentrar, Jacob, nesse momento, iniciava a sua carreira radiofônica. Segundo ele, sem pretensões profissionais, se inscreveu e venceu, em 27.05.34, o Programa dos Novos, na Rádio GUANABARA, organizado pelo Jornal O Radical, derrotando 28 concorrentes e recebendo nota máxima de um júri composto, dentre outros, por Orestes Barbosa, Francisco Alves e Benedito Lacerda.
O sucesso foi tanto que Jacob foi contratado pela Rádio, passando a se revezar com o já famoso grupo de Benedito Lacerda, o Gente do Morro, no acompanhamento dos principais artistas da época, dentre eles, Noel Rosa, Augusto Calheiros, Ataulfo Alves, Carlos Galhardo, Lamartine Babo. Em conseqüência, seu grupo, que era formado por Osmar Menezes e Valério Farias "Roxinho" nos violões, Carlos Gil no cavaquinho, Manoel Gil no pandeiro e Natalino Gil no ritmo, passou a se chamar “Jacob e sua gente”.
A partir dai, tornou-se "habitue" das ondas radiofônicas, ganhando cachês e se apresentando em praticamente todas as estações de Rádio; Cajuti, Fluminense, Transmissora (atual Rádio Globo), Mayrink Veiga, onde atuava no famoso Programa do Casé e Rádio Ipanema, que posteriormente se tornou Radio Mauá e onde Jacob ganhou um programa só seu.
Sua atividade era tal que chegou a tocar varias vezes, num mesmo dia, nas Rádios Educadora (nas 3 sedes, nas ruas 1º de Março, Senador Dantas e Marques de Valença), Rádio Clube do Brasil e Rádio Sociedade, que ficavam próximas, no Centro do Rio.
De 1955 a 1959, foi contratado pela Rádio Nacional onde se apresentava com o Regional de César Moreno, composto por Arthur Duarte (violão sete cordas), César Moreno (violão de seis cordas), Índio (cavaquinho) e Luna (pandeiro). Retornou anos depois, quando marcou época com o programa Jacob do Bandolim e seus Discos de Ouro, que ficou em cartaz até o seu falecimento, sendo que o último programa, gravado na véspera, não chegou a ir ao ar.
Em 11.05.1940, Jacob se casou com Adylia Freitas, sua grande companheira para toda a vida. Em 03.02.1941, nasceu Sergio Freitas Bittencourt, que se tornaria compositor e jornalista, tendo atuado como jurado, por vários anos, no Programa Flávio Cavalcante,e em 08.04.1942, chegou Elena Freitas Bittencourt, que Jacob adorava, sendo um verdadeiro pai-coruja e que se tornou cirurgiã - dentista.
Os primeiros anos foram difíceis, pois os cachês de rádio não eram suficientes para o sustento do casal. Foi quando se revelou a profunda amizade e o apoio do violonista e histórico compositor Ernesto dos Santos - o Donga - e de sua esposa a cantora Zaira de Oliveira pelo casal Bittencourt. Apoio pessoal e material que veio em boa hora, pois, segundo Elena, sua mãe costumava comentar que "...eles mataram nossa fome algumas vezes...".
Mais experiente e conhecedor das dificuldades da profissão, Donga convenceu Jacob a prestar concurso público, idéia que o bandolinista abraçou, pois sempre pretendeu alcançar uma estabilidade que lhe permitisse realizar seus saraus e desenvolver sua arte sem ser obrigado a acompanhar cantores e calouros eternamente, isso somado ao temor de perder sua independência em virtude das pressões das gravadoras e dessa forma, por não querer fazer concessões à industria fonográfica, Jacob prestou concurso, sendo nomeado Escrevente Juramentado da Justiça do Rio de Janeiro, mas continuou tocando bandolim, cada vez mais.
Volta
As gravações
Na década de 40, o Regional de Benedito Lacerda ocupava o posto de conjunto de maior popularidade e Jacob dividia o tempo entre o Tribunal e a música, onde sua atividade principal era tocar em rádios, principalmente acompanhando calouros. Porém, em 1941, a convite de Ataulfo Alves, participou das gravações, Leva Meu Samba (Ataulfo Alves) e a famosa Ai, que Saudades da Amélia (Ataulfo Alves e Mário Lago).
Em 1947, Jacob lança pela gravadora Continental, seu primeiro disco como solista, um 78 rpm, com um choro de sua autoria, TREME-TREME e a valsa GLÓRIA, de Bonfiglio de Oliveira, fazendo grande sucesso. Foi acompanhado por um grupo de músicos que com ele tocavam nas rádios e que ficou registrado no rótulo do disco como sendo CÉSAR E SEU CONJUNTO, integrado por César Faria e Fernando Ribeiro, violões; Pingüim, cavaquinho e Luna, pandeiro.
Nesses quatro primeiros discos em 78 rpm gravados pela Continental, Jacob é acompanhado pelo grupo liderado por César Faria, sendo que com a saída de alguns integrantes originais, também participaram dessa série de gravações, Jessé (violão); Canhoto, Elias (cavaquinho) e Alberto (pandeiro).
Em 1949, é contratado pela RCA VICTOR, onde permaneceu até o final se sua carreira. Gravou cinqüenta e dois discos em 78 rpm, 12 LP`s, sendo dois ao vivo, e diversas participações em discos de outros artistas e coletâneas. Gravou ainda um LP pela CBS. De 1949 a 1951 gravou com os músicos da Rádio Ipanema, sempre com a presença de César Faria. A partir de março de 1951 até março de 1960, foi acompanhado pelo Regional do Canhoto. Nesse período, em algumas gravações, Jacob foi acompanhado por orquestras.
Volta
Suite Retratos - Um Desafio
Entre o final de 1956 e 1958, Radamés Gnatalli escreveu RETRATOS, uma suíte para bandolim, orquestra e conjunto regional, onde homenageou, em cada movimento, um dos quatro compositores que considerava geniais e fundamentais na formação da nossa música instrumental: Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga.
Como se revelasse uma fotografia musical extraída da alma de cada um dos quatro homenageados, Radamés traz no primeiro movimento um Choro baseado em Carinhoso, no segundo, uma Valsa a partir de Expansiva, no terceiro, um Schottisch lembrando Três Estrelinhas e no quarto movimento, um Maxixe "a la" Corta Jaca. Uma obra de rara beleza e que exigia um solista sensível e com conhecimento musical. Radamés dedicou RETRATOS a Jacob que para executá-la foi obrigado a aprofundar seus estudos de teoria musical, que havia iniciado em 1949, e para isso contou com a ajuda de Chiquinho do Acordeon (Romeu Seibel) e com a sua própria obstinação.
Jacob registrou em seu gravador a estréia radiofônica de Retratos interpretada por Chiquinho, na Rádio Nacional, no final dos anos 50 e a partir daí estudou a obra continuamente para enfim gravá-la em fevereiro de 1964. Em maio do mesmo ano, Jacob escreve uma carta a Radamés para confessar que "...valeu estudar e ficar dentro de casa o Carnaval de 64, devorando e autopsiando os mínimos detalhes da obra...", .Jacob que começou tocando "de ouvido" e era fanático por ensaios, revelava agora uma nova face, o de musico estudioso. Em agosto de 64, Jacob fez a primeira audição pública de Retratos, acompanhado pela Orquestra da CBS, no saguão do Museu de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Retratos foi um salto de qualidade na carreira de Jacob e na música brasileira. Com a fusão perfeita entre a linguagem camerística e a popular, Radamés inaugurou uma nova dimensão no Choro que, entretanto, só amadureceria cerca de 20 anos depois.
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A televisão
Em 1955, Jacob foi convidado pela TV-Record/ SP para organizar um "especial de Tv" , um programa de Choro que se chamaria Noite dos choristas. Tal foi o destaque que a TV Record escalou o principal apresentador da casa, Blota Junior, como mestre de cerimônia, tendo o programa ido ao ar, em 12.05.1955.
Jacob percebendo a importância de ter um programa ao vivo num dos principais canais de TV do país, convidou grandes chorões, encabeçados pelo mestre Pixinguinha, com quem tocou ao vivo no programa, acompanhados pelo regional da Tv. Record, mas guardou um trunfo para o encerramento. Colocou no palco aquele que seria o maior regional de todos os tempos, com cerca de 70 de músicos amadores.
O sucesso foi tanto que em 1956 a TV-Record realizou a 2ª Noite dos choristas. Empolgado com a repercussão do mega regional do primeiro programa, elogiado pelos maestros Pixinguinha e Guerra Peixe, Jacob se superou e colocou no palco um regional ainda maior, com 133 integrantes, assim distribuídos: 17 bandolins, 14 acordeons, uma flauta, um pífano, um saxofone alto, um trombone, 4 violinos, 4 violões tenores, 18 cavaquinhos, um serrote, 40 violões, 5 ritmistas e 3 baterias. O grande bandolinista Isaias Bueno, então com 19 anos, foi um dos destaques nas duas noites.
Infelizmente, segundo informações da TV Record, o vídeo tape dessas duas noites foi destruído. Não sabemos se pelo fogo do incêndio ou pela ignorância de certos executivos que constantemente reutilizavam fitas de programas passados para novas gravações. O único registro que restou, além de algumas fotos, foi o áudio gravado pelo próprio Jacob numa fita de rolo, hoje parte integrante do Arquivo do Jacob.
A importância e o respeito por Jacob no meio musical o levou a se apresentar em todas as grandes emissoras de TV da época: Record, Rio, Excelsior, Tupi e Globo.
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O Época de Ouro
No final dos anos 50, Jacob ainda gravava com o Regional do Canhoto, mas tinham dificuldades de se reunir para ensaiar em função da agenda lotada do grupo que era disputado por todos os grandes cantores. A última participação do Regional do Canhoto com Jacob foi no LP "NA RODA DE CHORO", gravado em março de 1960. Na sua concepção, Jacob necessitava de um grupo de músicos que o acompanhasse e que com ele se reunisse quando necessário. O novo grupo de músicos, criado ao seu feitio e com o caráter de grupo exclusivo, participava regularmente dos saraus realizados aos sábados em Jacarepaguá é era formado por DINO 7 CORDAS, CÉSAR FARIA e CARLOS LEITE (violões), JONAS SILVA (cavaquinho) e GILBERTO D’ÁVILA (pandeiro).
Com eles, Jacob gravou dois LP`s, “CHORINHOS e CHORÕES” (1961) e “PRIMAS e BORDÕES” (1962), com os nomes de Jacob e seu Regional e Jacob e seus Chorões, respectivamente. Em 1966, Jacob, que afirmava já ter ultrapassado a fase "regional" batizou esse grupo com o nome de CONJUNTO ÉPOCA DE OURO, gravando com eles o LP “VIBRAÇÕES (1967), com a participação de JORGE JOSE DA SILVA, o “Jorginho do Pandeiro" e o lendário show com ELIZETH CARDOSO e o ZIMBO TRIO, no Teatro JOÃO CAETANO (1968)”.
Uma curiosidade é que três dos cinco integrantes ÉPOCA DE OURO, à exemplo de Jacob, além de excelentes músicos, eram também funcionários públicos: César tornou-se Oficial de Justiça; Carlinhos era Agente Fiscal e Jonas, funcionário público em Niterói, o que certamente lhes permitia um maior contato com Jacob.
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Os Saraus
Em 1949, já residindo em Jacarepaguá, na Rua Comandante Rubens Silva, 62, Freguesia, Jacob passou a realizar grandes saraus que contatavam na platéia com a presença de grandes nomes da política, artes e jornalistas que lá iam ouvir nomes como Dorival Caymmi, Elizeth Cardoso, Serguei Dorenski, Ataulfo Alves, Paulinho da Viola, Hermínio Bello de Carvalho, Canhoto da Paraíba, Maestro Gaya, Darci Villa-Verde, Turíbio Santos e Oscar Cáceres (violonista uruguaio).
Segundo Hermínio Bello de Carvalho, assíduo participante dessas reuniões musicais :
"..... quem participou de seus célebres saraus, tornou-se não apenas um ouvinte privilegiado das noites mais cariocas que esta cidade já conheceu, mas um discípulo sem carteira de um Mestre que não sonegava lições, que fazia questão de repassá-las nas inúmeras atividades que exercia - inclusive como radialista.
Proclamava não ser professor e, por isso, não ter formado alunos. Ignorava que, ao morrer, deixaria não apenas uma escola, mas uma universidade aberta a todos que um dia iriam estudar o gênero a que se dedicou com rara e profícua eficiência. Sua casa em Jacarepaguá era uma permanente oficina musical, onde reunia a nata dos chorões cariocas, proporcionando a eles o convívio com músicos de outros Estados, de quem fazia questão de registrar as obras para posterior divulgação. Canhoto da Paraíba, Rossini Ferreira, Zé do Carmo, Dona Ceça e outros autores-instrumentistas eram recepcionados e hospedados em sua casa, num gesto de ampla generosidade por quase todos, reconhecido.
Recebia também artistas internacionais do porte de Maria Luisa Anido, Sergei Dorenski e Oscar Cáceres em saraus memoráveis...."
Volta
O arquivo do Jacob
Além de ser um instrumentista próximo a perfeição, Jacob também era um incansável pesquisador, responsável pelo resgate e preservação da obra de vários mestres, tais como ERNESTO NAZARETH, CANDINHO do TROMBONE e JOÃO PERNAMBUCO.
Tal era a sua preocupação por preservar tudo que se relacionasse com a música brasileira, particularmente, o Choro, que Jacob, que era fotógrafo premiado e dominava a fundo a técnica de revelação fotográfica, chegou a microfilmar milhares de partituras para ganhar espaço e qualidade de preservação.
Com milhares de peças, incluindo discos, partituras, fotos e matérias jornalísticas ficou conhecido como “O ARQUIVO DO JACOB”, e foi incorporado em 1974 ao acervo do MUSEU DA IMAGEM E DO SOM/RJ.

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