domingo, 12 de abril de 2009

Alcides Pinto


A escritura de José Alcides Pinto

Por Carlos Augusto Viana

José Alcides Pinto sempre constituiu um desafio ao leitor. Passo a passo, sua imensa trajetória literária implicou um encontro com o desvio da linguagem

Nesse sentido, tanto sua prosa quanto sua poesia revelam facetas pouco encontráveis em seus contemporâneos: hermético e mítico em “Cantos de Lúcifer” (1966), despojou a linguagem e valorizou os recursos visuais em “Águas Novas” (1975); erótico e lírico em “Ordem e Desordem” (1982), súbito converteu-se em um sonetista no livro “20 Sonetos do Amor Romântico / Novos Poemas” (1982), no qual está reeditado um de seus maiores poemas de força social: “Os Catadores de Siri” — um texto denso, composto de 552 versos, ora metrificados, ora livres, às vezes em rimas brancas ou não, consoante o seu espírito irrequieto.






Nessa composição, ele visita o universo sórdido dos meninos que tiram o sustento da lama e nesta se convertem. Esse poema se realiza através de uma narrativa dramática. A oralidade impõe-lhe uns laivos de prosaísmo, mas não lhe despe a imperiosa musicalidade.

Quanto à linguagem, observam-se dois recursos: o da repetição e o jogo metafórico. A repetição se dá por dois processos: o estilístico e o simbólico, pela constante utilização de uma mesma imagem: “Quem não tem o direito de viver / cava a lama / como eu cavo / as crianças pobres do Recife”.

A expressão “cava a lama” apresenta um teor puramente sintagmático, pois denota um fenômeno real; o mesmo não ocorre com a expressão “como eu cavo / as crianças”, de conotações múltiplas: o universo real (cava a lama) dá passagem ao simbólico: (como eu cavo / as crianças). O poeta desenterra a cidade como se fosse um siri.

Em termos gerais, toda a obra de José Alcides Pinto se concentra em suas concepções acerca da vida e da morte, do bem e do mal, enfim, num mundo todo tecido a partir de contrastes. Ainda que, em alguns poemas ou algumas passagens de romance, o ambiente do sertão compareça, com suas paisagens descarnadas, a atmosfera que lhe marcou a infância (nasceu ele em São Francisco do Estreito — distrito de Santana do Acaraú) surge apenas como moldura, uma vez que visa, sobretudo, ao universal.

Seu verdadeiro intento foi o de procurar os abismos do homem, aquilo que é perene na condição humana: a angústia diante da brevidade do tempo e da certeza inexorável diante da morte. O regional, portanto, é apenas uma paisagem, um cenário para a construção de um universo mí(s)tico, povoado de imagens surrealistas.

Fundem-se , em sua escritura, o lírico e o grotesco, o paraíso e a queda, e seres estranhos habitam um espaço deformado pela força criadora. Pela poesia de seu povoado, dissolvem-se homens e demônios, como, por exemplo, na seguinte passagem de “Os Verdes Abutres da Colina”: “Rosa mal podia espiar o poste aceso no oitão da casa.

A lâmpada soltava uma luz amarela, embaciada, apagava e ascendia como a lanterna dos pirilampos, piscando ao pé das calçada ou abrindo buracos na escuridão do ar. De vez em quando, um se metia debaixo do chambre, focava inconvenientemente. Outros subiam-lhe pelas pernas trôpegas, cheias de mondrongos, e invadiam-lhe as virilhas num luzeiro que a fazenda do chambre não encobria. Rosa sapateava na sua inconsciência centenária: — Xô bicho”.

Como se vê, é verdadeiramente um universo dominado pelas forças fatais. A obra de José Alcides Pinto pode ser compreendida a partir do entrelaçamento de três temáticas essenciais: o sexo, a morte e a loucura, sendo instâncias inseparáveis, entregues ora ao sagrado, ora à maldição. Como todo símbolo, seu universo ficcional ou poético comporta forças positivas e negativas, criação e destruição, num digladiar-se interminável.

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