segunda-feira, 1 de junho de 2009

Mais do Quintino - Poesias

Encontro das Águas

Vê bem, Maria aqui se cruzam: este
É o Rio Negro, aquele é o Solimões.
Vê bem como este contra aquele investe,
como as saudades com as recordações.

Vê como se separam duas águas,
Que se querem reunir, mas visualmente;
É um coração que quer reunir as mágoas
De um passado, às venturas de um presente.

É um simulacro só, que as águas donas
D'esta região não seguem o curso adverso,
Todas convergem para o Amazonas,
O real rei dos rios do Universo;

Para o velho Amazonas, Soberano
Que, no solo brasílio, tem o Paço;
Para o Amazonas, que nasceu humano,
Porque afinal é filho de um abraço!

Olha esta água, que é negra como tinta.
Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que se pinta,
Nos olhos, a paisagem de um desgosto.

Aquela outra parece amarelaça,
Muito, no entanto é também limpa, engana:
É direito a virtude quando passa
Pela flexível porta da choupana.

Que profundeza extraordinária, imensa,
Que profundeza, mais que desconforme!
Este navio é uma estrela, suspensa
N'este céu d'água, brutalmente enorme.

Se estes dois rios fôssemos, Maria,
Todas as vezes que nos encontramos,
Que Amazonas de amor não sairia
De mim, de ti, de nós que nos amamos!...

Entre Nuvens

Ameaça chuva. O pássaro na rama
Vem de ocultar-se. Agora permanece
A sombra do covil. Tudo parece
Triste como a saudade de quem se ama

Enquanto o Céu apenas se recama
De nuvens, não; mas, quando se incandesce
De um relampear profundo, a chuva desce,
Por fina força a chuva se derrama.

Em nós outros também o tempestivo
Amor é assim como este quadro vivo,
Que, há pouco, a natureza dominava.

Falo por mim, tirando por Maria;
Pois, quando na minh'alma relampeava,
Nos seus olhos, tristíssimos chovia!

Aracoiaba

Grande pedra partida, altaneira,
Bem ao meio, por onde fugindo
Porção d'água da fresta, saindo
Cai n'areia, fazendo a cachoeira.

Logo ao lado, ingazeira sombria,
Onde se ouve cantar passarinhos,
Uns por fora, outros dentro dos ninhos,
Na mais doce e morosa harmonia.

Lindo poço ao depois que, escalvado,
Sussurrante com força represa,
E, na mais natural singeleza,
Vê-se o rio de novo formado.

E, ao lado daquela ingazeira,
Sobre a pedra que eu disse ind'agora,
Pressurosa, sutil lavadeira
Lava a roupa de Nossa Senhora.

Quintino Cunha

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